“Furdunço no Fiofó do Judas” é um
grande musical sobre o sertão do Brasil. Imperdível!
Em cartaz na Sala Municipal Baden
Powell, em Copacabana, “Furdunço do Fiofó do Judas – uma opereta popular
apimentada por Marinês” traz um título que faz jus, por seu tamanho e
brasilidade, a tudo que a peça comporta. Esta que parece se filiar ao Movimento
Armorial, do mestre Ariano Suassuna (1927-2014), empreendendo o encontro entre
o Brasil “oficial” e o “real” (como ele falava, citando Machado de Assis),
dando expressão erudita a obras de cunho eminentemente popular. “Furdunço” (vou
usar aqui esse apelido) é o encontro do grande musical com a leveza, o humor e
a religiosidade mais tipicamente brasileiros que nossa arte (sobretudo
literatura e música) já produziu.
A dramaturgia da Companhia
Bagagem Ilimitada, com colaboração do diretor Jefferson Almeida, elabora a
visita do Diabo a um bordel de uma pequena cidade do interior nordestino. As
quatro prostitutas que trabalham lá acabam apaixonando-se perdidamente por ele,
sem nunca confessar. Todo esse jogo de sedução entre o Diabo e cada uma das
mulheres, assim como delas com a própria religiosidade, acontece com comicidade
ímpar e regado a músicas associadas à cantora pernambucana Inês Caetano de
Oliveira, conhecida como Marinês.
A ótima cenografia de Taisa
Magalhães compõe um imenso biombo que forma o interior do bordel, visivelmente
pobre e sertanejo em suas cores e adereços. Em determinado momento, o biombo
surpreendentemente gira do avesso e forma um ambiente externo, ponto de virada
do enredo. Para além dos atores, com sotaques e expressões regionais, é o
cenário que nos mantém em contato constante com a realidade particular que está
em questão.
Os figurinos de Arlete Rua
realizam a transição para a indeterminação tão característica da arte popular
de uma forma geral, e elemento fundante também de “Furdunço”. Seus personagens
não são pessoas de uma cidade específica, mas arquétipos, casos exemplares que
poderiam ser de qualquer lugar, ou de lugar nenhum. São eles que nos ligam a um
imaginário, esse terreno que talvez seja o reduto mais valioso da nacionalidade.
Os atores Cilene Guedes, Jacyara
de Carvalho, Paula Sholl, PV Israel e Jefferson Almeida estão em um nível de
sintonia, de afinação (cênica e musical, diga-se de passagem) que dá sentido a
tudo o que foi dito até aqui. Senhores da cena, mantêm controle fino da
dinâmica tanto coletiva quanto individual; pausas, variações de tom, quebras de
andamento, transições entre texto e música, tudo acontece dentro de um
(aparente) conforto pleno.
Com todos os elementos de um
grande musical americano, de uma ópera italiana, de uma opereta francesa, sem
deixar nada a desejar a nenhum deles, “Furdunço” é o filtro “oficial” de uma
imensa tradição popular oriunda do Brasil “real”. Vida longa!
Um abraço e até domingo que vem!
Dúvidas, críticas ou sugestões, envie para pericles.vanzella@rioencena.com.br.
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